sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Jon Jost e a maldade cotidiana de “Last Chants for a Slow Dance”












Roberto Blatt




A honestidade com o leitor, se é que exista um, obriga a iniciar meus textos sempre confessando ignorância: longe de mim querer ser conhecedor de cinema em geral, e muito menos em experimental e independente, especificamente. Feita essa confissão, arrisco dizer que o filme de Jon Jost, Last Chants for a Slow Dance (Estados Unidos, 1977), com suas cenas longas e meditativas, transmite a sensação típica de cinema experimental, ao mesmo tempo que possui um enredo bastante realista e que alcança com sobras seu objetivo de retratar um fora-da-lei sem o glamour que algumas produções costumam atribuir a esses personagens.
Vamos chamar a vertente do “glamour” de hollywoodiana e acrescentemos que nela mesmo um psicopata é sempre um sujeito trágico, ou seja, que é movido por ou que traz em si grandes subjetividades, grandes paixões ou motivações que são, em alguns casos, inacessíveis aos espectadores. E aqui reside o fracasso de Hollywood, porque mesmo o suposto vazio de um personagem como Anton Chigurh, de No Country for Old Man, não é propriamente vazio, é na realidade o ápice da pretensão. Chigurh se arroga o completo vazio sem de fato expressá-lo uma vez que o tempo todo parece possuir um motor interno: nunca se move ao sabor de nenhum acaso, por isso é “mais” ficcional e maior do que qualquer malvado real. E nisso reside o sucesso de Hollywood uma vez que as platéias medianas querem ver algo maior movendo-se e desentranhando-se diante delas.
No filme de Jon Jost, o malvado é Tom Bates, um sujeito cujas maldades são “simples” e normais e que vão de contar sua vida sexual a um estranho a quem dava carona, e depois expulsá-lo do carro num gesto homofóbico absolutamente desproporcional, até maldades corriqueiras como agredir a esposa, enganar outras mulheres de forma cínica, torturar animais e comprazer-se com sua morte, coisas que qualquer mortal já fez ou conhece algum autor, mesmo que tenham sido de outro tipo no infinito espectro de etiquetas cruéis. Tais maldades, retratadas de forma magistral na filmografia intimista da obra, não são fruto de alguma motivação grandiosa ou oculta: são fruto de raivas comuns a todos e que todos, em alguma medida, idealizam, quando não concretizam nalgum extravasamento. Portanto as motivações desse personagem, que aliás é quase sem par no cinema pasteurizado, não são problema para entendermos o filme.
Tom Bates é um vilão que não se comporta, em momento algum, como uma alegoria ambulante a ser decifrada, tal qual o Coringa, por exemplo, e não parece mesmo um personagem montado para tentar esconder suas motivações, do tipo que pratica o mal pelo mal. Ao contrário, suas razões parecem simples e explícitas: conseguir uma foda com a esposa que abandonou ou com uma desconhecida que encontra na noite. E de fato, ele não pretende ser um vazio, completamente desprovido de super-ego ou coisa que o valha, na verdade ele é maldoso pela sua ruindade, por suas limitações e incapacidades de interação.
Nesse sentido, a obra de Jon Jost – produzida, diga-se de passagem com míseros 3 mil dólares – pode ser vista como retrato psicológico de um malvado comum, de um sujeito desterrado pela economia e que se mantem com a cabeça no lugar, digamos assim, que insiste em manter alguns postos de sua condição social ou ao menos explorá-los e parasitá-los em alguma medida. Portanto, é também o esboço de uma “sociologia da ruindade” e suas pequenas motivações, o que é muito diferente e, talvez mais interessante e familiar, do que a caricatural violência que se viu em “Laranja Mecânica”, de Kubrick, por exemplo, uma vez que aqui nosso personagem não abre mão de sua cidadania, de seu ócio possível por ser um estadunidense que pode queimar petróleo mesmo estando a mercê do desemprego.
A maldade de Tom Bates, que chamo aqui de ruindade, não possui um crescendum, como seria de se supor em função de suas andanças, cada vez mais surpreendentes. A sua ruindade quase se mantem no mesmo nível, por mais chocantes que sejam as consequências, inclusive temperada com a sensação de que, na sua solidão, ele quase sente algum remorso, afinal ele é um homem comum que quer seu espaço social e que exerce suas possibilidades de interação.
No fim das contas Jon Jost não fez um julgamento moral e não fazê-lo também é uma moda pós-moderna, mas com essa receita seu personagem assumiu uma dimensão da maldade bastante singular: a ruindade que não é do completo desajustado e, que, ao contrário, traz a marca da tragédia de um ser humano quase completamente rendido numa inércia entre a sua constituição – suposta interioridade – e sua relação com o mundo – suposta exterioridade
Quase completamente rendido, porque sua jornada parece ter um quê de inconformismo, uma luta com que nos identificamos, uma defesa de si próprio, uma espécie de autojustificação, uma negação alcançada com a mesma determinação bovina com que muitos seres humanos suportam trabalhos imbecis em troca de prazeres não menos bizarros ou da simples sobrevivência de sua “constituição” psicótica.

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